A desprecarização do trabalho na saúde
A desprecarização do trabalho na saúde — ou seja, a reversão do modelo que hoje sustenta milhares de vínculos frágeis, instáveis e mal remunerados no SUS — é uma necessidade urgente. Trata-se de um desafio tanto jurídico quanto político, que exige vontade institucional e pressão social organizada.
⚖️ O que seria uma desprecarização efetiva?
Desprecarizar significa:
- Realizar concursos públicos regulares para suprir a necessidade permanente de profissionais;
- Reduzir drasticamente a terceirização dos serviços essenciais, principalmente onde há contato direto com o paciente;
- Valorizar as carreiras públicas com salários justos, plano de carreira e formação continuada;
- Investir em condições dignas de trabalho, com infraestrutura, segurança e equipe suficiente.
A desprecarização é o oposto do modelo que contrata por meses ou anos, sem vínculo efetivo, sem férias, sem décimo terceiro e com medo constante do desligamento.
É possível desprecarizar, diante da situação atual do SUS?
Sim — mas é uma decisão política e orçamentária. O Brasil tem os instrumentos legais e administrativos para isso, mas muitas vezes faltam:
- Prioridade nos orçamentos municipais e estaduais;
- Gestores comprometidos com o SUS como política de Estado, e não como moeda de troca política;
- Controle social efetivo por parte de conselhos de saúde, sindicatos e sociedade civil.
A Emenda Constitucional 95 (do teto de gastos), por exemplo, reduziu a margem de investimento na saúde, agravando o problema. Mas, mesmo nesse cenário, há modelos municipais e estaduais bem-sucedidos, que mostram que desprecarizar é possível com boa gestão e vontade política.
E os médicos? Qual o papel deles nesse processo?
Os médicos ocupam uma posição complexa na rede pública. Por um lado, são profissionais essenciais. Por outro, muitas vezes se organizam de forma autônoma, com vínculos temporários, cooperativas ou contratos via pessoa jurídica.
Como incluí-los na desprecarização?
- Reconhecendo o trabalho médico como carreira pública essencial, com concursos e estabilidade;
- Abrindo diálogo com conselhos e associações médicas, para construir soluções que respeitem a autonomia, mas garantam direitos;
- Combatendo o “PJzão” forçado, que transforma médicos em “empresários” de si mesmos apenas para mascarar vínculos empregatícios;
- Promovendo planos de carreira nacionais ou regionais, que tornem o serviço público atrativo — inclusive para áreas de difícil provimento.
O médico também é trabalhador. E a valorização do médico como servidor público pode ajudar a combater práticas exploratórias que se tornaram comuns, especialmente no interior do país.
Conclusão: desprecarizar é fortalecer o SUS
A desprecarização do trabalho na saúde é uma questão de justiça social, mas também de eficiência no cuidado. Trabalhadores com vínculos estáveis prestam atendimento com mais continuidade, segurança e compromisso.
A advocacia pode (e deve) ser aliada nesse processo, pressionando o poder público, judicializando casos críticos e fortalecendo o controle social. O SUS é nosso. E para funcionar bem, precisa cuidar também de quem cuida.
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